Os cristãos e a sexualidade – Parte 1

Quando eu era adolescente, minha maior preocupação acerca da minha sexualidade era se eu conseguiria me casar virgem. Eu me perguntava se chegaria à linha de chegada, isto é, a noite de núpcias, com a minha castidade intacta. Eu realmente amava o Senhor e o ministério que ele me deu, levava a vida cristã e o meu chamado missionário a sério, e era uma líder respeitada em minha igreja local, apesar dos meus 16 anos de idade. Nessa época eu disse para Deus que gostaria de namorar apenas o meu futuro marido e que estava disposta a esperar por ele. Por trás dessa oração devota, eu estava mesmo era com medo de ficar namorando por aí e acabar caindo em tentação!

Com 21 anos comecei a namorar o meu esposo. Noivamos após três meses de namoro, no meu aniversário. E sete meses mais tarde estávamos nos casando. Ufa! Que maratona!! Eu sofri muito antes de me casar, lidando com a minha sexualidade de forma bem superficial, apesar da minha sinceridade. Eu não fazia a menor ideia que a linha de chegada é o Céu, que minha jornada sexual só estava começando e que Deus tinha algo de muito especial para fazer na minha vida. Ele ansiava por transformar meu coração, de dentro para fora.

E agora?

Bem, meu orgulho veio à tona logo no primeiro ano de casamento. “Que orgulho?” Aquele mascarado de “nunca namorei” e “me casei virgem”. Eu tinha orgulho de ser uma pessoa sexualmente moral. Tinha orgulho de ter resistido a tentação de transar com outros rapazes. Em outras palavras, eu é que me santificava e lutava contra a imoralidade com as minhas próprias forças. Não era Cristo que estava me santificando. Não vivenciava a minha sexualidade pela graça, mas pelas obras da lei, assim como os gálatas:

Será que vocês são tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, querem agora se aperfeiçoar pelo esforço próprio? (Gálatas 3:3).

Sempre pensei que as pessoas problemáticas são aquelas que se rebelam e se afastam de Deus através de comportamentos inaceitáveis, como o filho pródigo, mas nunca pensei que o filho que fica com o pai em casa também tem sérios problemas, mesmo que, aparentemente, faça tudo de acordo com o esperado. O filho mais velho tem problemas com pecados ocultos em seu coração, coisas que ninguém consegue ver (Lucas 15: 28,29). Ele tinha certa dificuldade em enxergar o que havia em seu coração, já que vivia no legalismo do eu-sou-o-único-filho-que-não-abandonou-meu-pai-por-aqui.

Um dia a casa cai

Eu fiquei bem confusa por causa das dificuldades encontradas no início da nossa vida sexual. Logo me dei conta de que estava viciada em fantasias sexuais. Eu me sentia suja e tinha muita vergonha de não conseguir controlar a minha mente. Eu não sabia como lidar com aquilo, já que amava meu marido e me sentia atraída por ele. Afinal de contas, eu era uma mulher casada e uma missionária! Eu esperava esse comportamento das minhas amigas “da pá virada”. Eu não era esse tipo de mulher. Eu era do tipo que amava Jesus de todo o meu coração! Quem é você e o que você fez com a Tainise? Eu pedia perdão pra Deus um milhão de vezes, porém jamais contei para outra pessoa. A vergonha acompanhada da sensação de que era a única a passar por aquilo me travavam. Não conseguia nem imaginar uma confissão saindo da minha boca. Eu mesma me julguei, me condenei e decretei a minha sentença.

A mentalidade do “NÓS” e “ELES”

Nos evangelhos encontramos alguns relatos que abordam a falsa narrativa do NÓS, os que somos bem resolvidos, que seguimos todas as regras, dedicados a Deus, e ELES, os pecadores, os desajustados e despedaçados. Jesus combateu essa mentira com a verdade de que todos, NÓS e ELES, carecemos da graça de Deus. A graça não é responsável apenas pela nossa salvação. É pela graça que somos ensinados a viver em piedade e que nos tornamos cada vez mais parecidos com Cristo. A mentalidade do NÓS e ELES não é revelada por Jesus apenas na parábola do filho pródigo. Em Lucas 18, o fariseu agradece a Deus por não ser como os outros homens, enquanto o publicano

batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador. (Lucas 18:13)

E como essa falsa narrativa se expressa na igreja? ELES, são os pastores que traíram a esposa com a secretária, os jovens que fizeram sexo antes do casamento, os líderes com compulsões sexuais e missionários com desejos bizarros. NÓS, somos os bem ajustados sexualmente, os que seguem as regras, os que se casaram virgens, os que não sentem atração por pessoas do mesmo sexo.

Entretanto, Jesus mostrou que não existem dois tipos de pessoas, mas que todos precisam de redenção e dependem do poder de Cristo para serem justificados. E quando conversamos sobre isso na igreja, concordamos com Jesus e com João:

Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça. Se afirmarmos que não temos cometido pecado, fazemos de Deus um mentiroso, e a sua palavra não está em nós. (1 João 1:8-10).

Mas, se cremos nesses ensinamentos para lidar com nosso orgulho, mentira, e ira, por que não conseguimos aplicá-los aos pecados sexuais? Por que tratamos nossos pecados sexuais como se eles fizessem parte de outra categoria de pecado, tão terrível e desprezível? Todo pecado é terrível e desprezível, sem exceções.

Nosso discurso nos denuncia

Quais são as primeiras frases que falamos dentro da comunidade cristã quando um pastor ou missionário é descoberto em um escândalo sexual? “Bem que eu desconfiava que tinha alguma coisa errada com ele”, “Jesus está voltando!”, ou ainda, “Isso só mostra que ele não era um cristão genuíno. Se ele conhecesse ao Senhor de verdade não teria feito nada disso.” Se um líder cristão humilha a esposa em público, promete mas nunca cumpre ou não exorta um membro rebelde, então, dizemos que eles são humanos e falhos, que precisam se arrepender, amadurecer na fé e que precisam de ajuda. Em alguns casos, quando um líder confessa que tem problemas com a preguiça, a glutonaria ou maledicência, rola até uma piada e todos dão risadas. Porém, se um líder confessar que está tendo problemas com fantasias sexuais, ou que a esposa não tem relações sexuais com ele, ou que o filho está viciado em pornografia, tudo muda de figura. O pânico, a fofoca e o julgamento se instauram.

Não estou dizendo que devemos ignorar os pecados sexuais e tratá-los com desdenho. Esse pensamento não é bíblico. Muitos cristãos têm abandonado a fé justamente porque pensam, “Já que todo mundo tem problemas sexuais, eu vou me entregar aos meus desejos!”. Paulo aborda essa heresia em Romanos 6:1,2:

Portanto, o que vamos dizer? Será que devemos continuar vivendo no pecado para que a graça de Deus aumente ainda mais? É claro que não! Nós já morremos para o pecado; então como podemos continuar vivendo nele?

Também não estou dizendo que os líderes sempre deveriam ir à público e contar todas as suas dificuldades sexuais. O que estou dizendo é que precisamos aceitar o fato que todos nós temos problemas sexuais, mesmo que eles não sejam visíveis. Precisamos rejeitar a falsa narrativa do NÓS e ELES, e parar de enxergar o pecado sexual como coisa de gente que não conhece a Deus. Consequentemente, quando o Espírito Santo começar a mostrar alguma área da nossa sexualidade que não é íntegra, será mais fácil admitir que estamos com problemas. Não vamos nos ofender quando um amigo ou líder nos confrontar sobre a nossa sexualidade, nem vamos sentir tanta vergonha para buscar ajuda. Vamos parar de enfrentar o problema sozinho, pois o isolamento nos leva à fraqueza espiritual, ao divórcio e aos escândalos sexuais.

Na próxima semana vou continuar a abordar esse assunto tão importante para a saúde do corpo de Cristo.

3 thoughts on “Os cristãos e a sexualidade – Parte 1

  1. Que texto incrível e que coragem de se expor, acho que é assim que alcançamos a graça e nos reconhecendo, eu luto com meu coração de irmão mais velho todos os dias, desde que a minha ficha caiu.. Obrigada pelo texto..

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